Ansiedade em crianças: o que é e como identificar

Em casa e sob uma atmosfera pandêmica, o problema pode se agravar; saiba entender os sinais e auxiliar no controle emocional dos pequenos

Todos, sem exceção, sentem medo. Afinal, ele é um dos muitos estados emocionais que nos cercam e tem como responsabilidade criar alertas de perigo em situações do dia a dia. Mas quando este sentimento se torna exacerbado, impedindo nossas ações e desequilibrando as emoções, ele passa a ter outro nome: transtorno de ansiedade.

Problema que não escolhe idade, a ansiedade tem se tornado cada vez mais comum em crianças e, com o clima de incertezas instalado pela pandemia do novo coronavírus (COVID-19), tende a se intensificar dentro dos lares. Mais do que nunca, é tempo de vigilância.

Pais e adultos que convivem com crianças (como professores) têm a missão de identificar a ansiedade e impedir que ela gere problemas ainda maiores e mais profundos na vida dos pequenos. Para auxiliar nesse importante desafio, o Blog da Ciranda de Livro entrevistou a Nahid Shams, psicóloga clínica com extenso trabalho e pesquisa em temas relacionados à ansiedade. Confira dicas valiosas:

Brasil, o país mais ansioso do mundo

Para frisar a importância de tratar o assunto, nada como contextualizá-lo à nossa realidade e nossa sociedade. Nahid cita o relatório mais recente divulgado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) sobre desordens mentais. O documento aponta que cerca de 33% da população mundial sofre com ansiedade e que o Brasil se classifica em primeiro no ranking, com 9,3% de sua população dentro dessa estatística – o que corresponde a 18,6 milhões de brasileiros convivendo com o transtorno.

 “Esses números são resultado da construção social vivida hoje, que tem um exagero de demandas, muitas cobranças e exigências. A mulher, por exemplo, hoje tem jornadas duplas e até triplas. Tudo isso desencadeia a crise de ansiedade. Essa doença é do século 21, suas taxas estão subindo paralelamente à questão do crescimento social”, relaciona a psicóloga.

Ainda segundo o relatório da OMS, ansiedade e depressão são condições mentais com maior incidência de incapacidade nas pessoas.

Nomeando os sentimentos

Medo e ansiedade são a mesma coisa. Como dito no início da matéria, ambos são sentimentos naturais do ser humano, do mesmo jeito que a alegria, a tristeza e a raiva, por exemplo. Aprender a interpretá-los e respeitá-los é o primeiro passo para a construção do equilíbrio.

Não à toa a psicoterapia ganha cada vez mais amplitude. Expandir seu consciente, entender e nomear seus sentimentos, seus gatilhos e promover o autoconhecimento são uma importante resposta a diversos distúrbios psicológicos, entre eles, o transtorno de ansiedade.

Nas crianças, é o adulto que ajuda a identificar esses sentimentos, como explica Nahid: “É costume falarmos para a criança ‘não chore’, ‘não fique triste’. Mas, pelo contrário, devemos respeitar esse momento. A partir dessa reflexão ajudamos a criança a nomear esse sentimento e fazer com que ela também cultive isso. Assim, ele vai perceber que o medo também é algo natural”.

Do medo ao pânico

Mas o mesmo medo que é natural e nos protege pode ser a causa de uma ansiedade angustiante. Ele toma proporções exacerbadas, transforma a rotina e dificulta nossa maneira de viver de maneira fluida, como conta Nahid: “O indivíduo com transtorno de ansiedade percebe o mundo como um lugar perigoso e está o tempo todo em estado de vigilância, não tem tranquilidade e calma”.

Diante de tal cenário, é preciso fazer um exercício que identifique se este medo tem um existência real. “É importante analisar nosso ambiente, entender por que isso está acontecendo, por qual razão algo que é para nos proteger está atrapalhando. Então podemos fazer algumas perguntas, como: ‘qual a fonte desse medo?’; ‘do que esse medo está me protegendo?’; ‘há uma existência real?’”, exemplifica ela.

As respostas para essas perguntas são incontáveis e muito particulares. Mas os motivos sempre envolvem a realidade e as experiências ao redor do indivíduo. Já parou para pensar como a própria pandemia, por exemplo, está sendo interpretada por uma criança?

“A criança pode sentir medo de perder os pais por conta da doença, medo de ficar sozinha. Os próprios adultos têm esse medo de morte, da perda de entes queridos, da perda do emprego e do fato de não conseguir pagar as conta. Há uma série de preocupações que podem acontecer nessa época”, elenca Nahid.

Da cabeça para o resto do corpo

O perigo do transtorno de ansiedade redobra quando os efeitos do medo começam a ser sentidos pelo corpo em forma de doenças. Quando estamos em estado de alerta, o cérebro entenda que há uma ameaça e aumenta a produção de cortisol, um hormônio feito para nos proteger, mas que, em excesso, pode prejudicar nosso sistema imunológico.

“Nas crianças, os sintomas do transtorno de ansiedade podem ser mudança no apetite, alterações no sono, rendimento escolar alterado, falta de motivação, preocupação excessiva, dor de cabeça, tontura, humor alterado e irritabilidade”, aponta a psicóloga sobre sintomas a serem observados nos pequenos.

Medo do escuro, medo de animais e insetos, medo de monstros ou até mesmo da separação dos pais, por exemplo, são comportamentos comuns. Mas se esse medo passa a ser excessivo, transformando-se em fobia ou pavor e acarretando sintomas como os citados acima, é preciso atenção. Se não tratada, a ansiedade pode até levar à depressão.

A influência dos adultos

Nesse sentido, Nahid lembra sobre como as atitudes e exemplos dos pais têm grande efeito sobre as crianças. “Muitas vezes os pais dizem uma coisa, mas agem de maneira diferente. Temos que estar atentos a isso. Pais que são muito nervosos, preocupados e inseguros podem influenciar os filhos a seguirem o mesmo exemplo”.

Depois de observar o filho e analisar o próprio comportamento em casa, os pais devem buscar informação para auxiliar rapidamente no socorro às crianças. A psicoterapia é fundamental.

Paralelo ao tratamento com ajuda de profissionais, é importante também que a família adquira hábitos mais saudáveis, até mesmo com mudanças simples na rotina.

“Se não há uma existência real para aquele sentimento de medo da criança, então deve-se evidenciar isso a ela, ter paciência para ouvi-la, demonstrar empatia com a criança, respeitar seu sentimento e buscar atividades que a tragam para o presente”, aconselha a psicóloga, que, entre as atividades saudáveis a serem adquiridas cita a meditação e exercícios para a respiração, mas sempre de maneira leve, que possa ser encarada pelo filho como uma brincadeira divertida.

Como ter uma geração futura mais tranquila e em paz?

Que tal aproveitar o período de isolamento social para instaurar uma cultura e rotina de paz em casa? Independente do grau de ansiedade de cada um da família, essa pode ser uma oportunidade de plantar a semente do autoconhecimento e do autocontrole no ambiente domiciliar.

Além da respiração e da meditação, como já citamos (e que é uma prática bastante comum nas escolas da Índia, por exemplo), um bom exercício é dar um tempo no noticiário. Conselho que até a OMS já deu em recentes dicas sobre saúde emocional na pandemia.

Como é de conhecimento geral, a atividade física também é de extrema importância na rotina familiar. Nem precisa ser algo agitado, mas pode ser uma ação que agregue mais calma e tranquilidade, como Yoga. Há vários livros com desenhos e figuras lúdicas sobre essa prática que são totalmente voltados para crianças.

E se o segredo é mentalizar coisas positivas, Nahid, que também é adepta do trabalho com arteterapia, finaliza: “Dançar, ouvir musica, brincar na natureza, estar junto… Não faltam opções para nos recarregarmos de energias boas que nos ajudam a lidar melhor com os desafios”.

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